O conto da cozinheira


Diego Velásquez, Velha fritando ovos, National Gallery of Scotland


“As obras de um Kant e de um Goethe afinal configuram combinações
 das mesmas 26 letras do alfabeto”
(V. Frankl)

Certo homem muito materialista gostava muito da boa mesa. Uma vez, ceando na casa de um amigo, viu que este tinha um moderno fogão a gás com um fogo que jorrava de queimadores acionados por uma pequena alavanca. Admirado tanto com a novidade tecnológica quanto com o sabor da refeição, decidiu que também tinha que experimentar aquela maravilha tecnológica.

Considerando-se homem de mais posses que seu anfitrião e que na própria casa o que se comia era muito saboroso, imaginou que poderia ser ainda melhor. Pensou no prazer que não seria proporcionado ao seu paladar se, para além dos ingredientes selecionados que fazia questão de utilizar - desde que não elevasse o custo - houvesse aquele aparato.

Ao chegar em sua residência, fez as contas e constatou que ao somar as módicas quantias que pagava a duas cozinheiras para preparar seus quitutes no fogão a lenha, poderia adquirir um equipamento mais adequado aos novos tempos. O que não diriam seus amigos?! Bastaria, para isso, dar as contas de D. Zefinha, a mais idosa, e, com a quantia sobejante, realizar o seu desejo.

E assim fez.

Contudo, algo deu errado. A comida não manteve a mesma atração ao seu paladar. E, por muito pouco, não passou vergonha quando seus convivas provaram da sobremesa que passara um pouco do ponto.

Chamou o vendedor do fogão, reviu o modo como fora instalado, toda a estrutura, mandou abrir janelas para ventilar o ambiente, pensou em tudo. E, depois de muito tentar, viu que nada mudava.

Até que o inverno passou, o verão chegou e foi novamente convidado para almoçar com aquele compadre em cujo sobrado vira o tal fogão a gás. E, para sua surpresa, o sabor já inigualável estava melhor ainda! Não se contendo e deixando de lado o orgulho, aproximou-se e, contando com a discrição de seu interlocutor, indagou: - o querido amigo comprou um fogão mais moderno?

E o outro respondeu: - fiz melhor! Venha comigo.

Adentrando a cozinha, foi cumprimentado por uma sorridente e feliz D. Zefinha a dividir a cozinha com uma colega, o moderno fogão a gás e uma pilha de lenha a queimar nas antigas bocas de ferro.

Por Fabiano Mendonça

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