SIM, É GRAVE: o direito fundamental à esperança democrática diante da não-defesa constitucional e da não nomeação de reitores eleitos
SIM, É GRAVE
o direito fundamental à esperança democrática diante da não-defesa constitucional e da não nomeação de reitores eleitos
Por
Fabiano Mendonça, ofs
Professor Titular de Direito Constitucional da UFRN
Procurador Federal
A esperança é concreta, não um conceito abstrato. Ela é a forma como o futuro participa no presente.
Um exemplo simples é o de quando eu faço uma encomenda de um produto ou comida por um aplicativo eletrônico. Eu faço isso em razão de uma expectativa que está "presente" sobre algo que pode vir a ser. Claro que podem haver problemas: pode haver falha ao despachar, dificuldade com o endereço, ausência de entregador, falha no transporte ou eu não estar presente na hora de receber. Aqui não há necessidade de revisitar o farto material filosófico, jurídico, sociológico, econômico ou psicológico sobre o tema.
Até aí ela é mais um fato ou desejo do que um direito específico. Mas há um momento em que ela se torna merecedora de proteção por todos: quando, na feliz expressão do Papa Francisco, falamos de direito fundamental à esperança!
Nós temos o direito a poder pensar num futuro. E não apenas a saber que há um futuro, mas que ele seja com melhor qualidade de vida do que as experiências que vivencio, seja fruto do momentos atuais ou passados. É um direito a desenvolver integralmente a liberdade de conformação do próprio destino.
Mas isso só é um direito na medida em que todos têm a compreensão de que possuem o direito a sonhar e que devem respeitar a expectativa dos outros.
Tenho um direito a um futuro sem os erros do passado.
Quando um cargo de garantia da Constituição, da lei, da ordem e dos Poderes constitucionais estimula um ato no qual há maciçamente a pregação do fim da democracia, mediante uma suposta e direcionada intervenção militar - que preservaria o Executivo - e a prática de atos violadores de direitos fundamentais (“AI-5”), algo está errado.
Esses discursos não são protegidos pela garantia constitucional da liberdade de expressão, ainda que todos devam proteger o direito de cada um de expressar publicamente sua cultura, ideologia e pensamento político, por mais minoritário e controverso que seja. De modo sintético e a usar as palavras de um importante julgamento,
“o direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal.”
(STF, HC 82424)
Numa democracia, nada pode ser mais abjeto do que pregar o retorno de instituições autoritárias ou de atos já tão condenados como o AI-5. Isso apenas pode provir de mentes que fantasiam uma nostalgia de algo que não houve ou que são, por si, torpes. Nenhuma das hipóteses é satisfatória.
No Palácio de Versalhes, na França, há uma frase insculpida na sua suntuosa galeria (ou salão) dos espelhos em honra a quem a mandou construir: “o rei governa por ele mesmo”. Outra frase, “o rei arma sobre a terra e o mar”, também foi colocada uma década depois com o respectivo quadro. O rei em questão era Luís XIV, que elevou ao máximo a monarquia absoluta, e ao qual se atribui a frase emblemática do período: “o Estado sou eu!”
Foi seu herdeiro, Luís XVI, que foi decapitado pelos revolucionários franceses há quase 230 anos. Esse era o preço pago por um governo caracterizado pelo vínculo familiar e pelo caráter personalista.
Hoje, mais de três séculos após a morte de Luís XIV, um presidente eleito teve a ousadia de dizer em alto e bom som: “eu sou, realmente, a Constituição”.
A Constituição é um documento escrito em um momento de mudança de regime para estabelecer as regras básicas da existência do país. No nosso caso, para pôr fim ao regime militar, foi escrito o texto de 1988. Ela “cria” o país do ponto de vista jurídico e, desse ponto de vista, é sua espinha dorsal.
Dizer que “é a Constituição” equivale a uma violação brutal do princípio republicano que marca esse documento. Mais, a pessoa que ocupa um cargo que existe para garanti-la, transtornadamente pensa ser ela. E isso implica substituir uma vontade escrita pelo povo, por sua vontade pessoal. Algo que é completamente contrário a toda a evolução histórica da defesa das liberdades.
E atentar contra a Constituição é um crime de responsabilidade básico, que implica em perda do cargo e inelegibilidade. Isso é claro; do contrário, teríamos um "antipresidente": quando a pessoa se torna exatamente aquilo que se comprometera a combater.
No mesmo dia, seu auxiliar da educação publicou um ato no qual nomeou Reitor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte uma pessoa, partidário político do presidente por ocasião da eleição. Porém, o nomeado sequer participou do pleito democrático para escolha do ocupante do cargo.
O Decreto 1.916/96, referendado pela Medida Provisória 914/19, prevê de modo claro e inescusável que a nomeação há de obedecer à lista formada pela consulta pública. E cabe registrar que ainda pende de decisão no STF a ADI 6140 que busca afastar a consulta de vida pregressa prevista pelo Decreto 9.794/19.
Porém, foi feita uma nomeação provisória (“pro tempore”) sob a proteção legal de irregularidade na consulta. Mas não há qualquer menção a qual seria tal irregularidade ou fonte onde a mesma possa ser buscada. Que motivação seria dada? Não poderia ser violadora da ideia de pluralismo de pensamento.
E todo ato administrativo deve ser motivado. Num aspecto tão grave, é indispensável indicar o porquê de não se acatar o resultado da consulta e o motivo da escolha do reitor temporário. Assim determinam a Lei do Processo Administrativo, a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro e o Decreto 9.830/19.
Considerando a autonomia administrativa universitária como uma instituição internacional destinada a proteger a livre expressão do pensamento, sobretudo quando em oposição a governos - por natureza transitórios, a Constituição a protege em seu artigo 207. Portanto, ela está acima da lei e de implicações de decretos.
As regras podem ser alteradas para as autarquias e outros entes da Administração Indireta. Porém, para as Universidades, a mudança não pode em hipótese alguma vir de modo a prejudicar o pluralismo de ideias e a gestão democrática. Isso está fora de questão.
Assim, considerando o contexto descrito e a importância de reconstruirmos nossas muralhas contra a escuridão (sim, pois ela avança), o contexto é perigoso; independentemente da plausibilidade. Pois, o gérmen de ideias nefastas nunca pode ser ignorado.
Muitas vezes, diante de um paciente já desenganado, a família procura um lenitivo para tanta dor. O olhar é lançado ao médico. Este, triste, olha para o ente querido e, não querendo enganar nem gerar falsas esperanças, diz: é grave!
Se o direito fundamental que existe é a uma esperança verdadeira, eu respondo: sim, a situação é grave!
As conclusões científicas do Autor não significam manifestação oficial das
instituições que integra
instituições que integra
Atualizado em 21/04/2020, 10:35
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