Conversando sobre felicidade e meio ambiente

Marise Costa de Souza Duarte É provável que você tenha começado a ler esse texto por pura curiosidade, mas com um certo “pé atrás” ao ler a palavra felicidade. Há alguns anos atrás eu também teria feito isso. Mas hoje, estudar felicidade e meio ambiente, fazendo conexões entre as duas temáticas, tem sido meu maior interesse e motivação de pesquisa. O que se aprofundou neste momento (primeiro semestre de 2020), onde estamos o tempo todo a refletir, pessoal ou coletivamente, como será o mundo depois que passar a (grande) pandemia global do nosso século.  Comecei a prestar uma verdadeira atenção à temática da felicidade a partir da minha participação no II Congresso Internacional da Felicidade (em novembro de 2017) e da viagem que fiz, logo depois (início de 2018), ao Butão, pequeno país asiático que guia suas políticas públicas pelo índice da Felicidade Interna Bruta (FIB). 



A partir de então, me aprofundando nos estudos da felicidade (em eventos e cursos), escrevi pequenos textos, realizei minicursos e oficina (na UFRN) sobre a temática, fui à TV e ao rádio falar sobre felicidade (afinal, gerou curiosidade uma pessoa conhecida por estar sempre envolvida com causas ambientais e urbanas na cidade, “de repente” começar a estudar e falar sobre felicidade). Estando, neste momento, a coordenar a Linha de Pesquisa Felicidade e Sustentabilidade no Grupo de Pesquisa FeliCidad - Felicidade e Cidadania (UFRN/CNPq) e a representar, em Natal/RN, o Centro de Estudos de Felicidade (iniciativa gerada a partir do Congresso Internacional de Felicidade).  Por outro lado, o tema do meio ambiente é meu objeto de estudo a partir do momento em que assumi a Chefia da Procuradoria do Meio Ambiente na Procuradoria Geral do Município de Natal/RN (em 1997). E, desde então, a preocupação com o meio ambiente se inseriu não só na minha vida profissional e acadêmica, mas especialmente na vida pessoal e social.        Ao começar a estudar a temática da felicidade (uma busca - consciente ou não - das pessoas desde que "o mundo é mundo") passei a ver sua total relação com o estudo do ambiente, que tem como essência a forma como utilizamos os bens naturais que existem no Planeta desde que o "nosso mundo é mundo". Mas, quais as conexões existem entre as duas temáticas? Com certeza, nesse momento é o que você está se perguntando.  Bem, vou procurar aqui expor algumas das relações/conexões que para mim são muito claras e que achei importante compartilhar com você. A felicidade, compreendida como bem estar interior (da alma, como nos disse Sócrates), não depende de objetos/coisas materiais, mas de valores imateriais, essencialmente dos valores mais profundos que estão dentro de nós . Sim, não se trata de frase de livro de autoajuda, mas de algo que pode parecer tão óbvio e simples, mas que só se pode afirmar, com toda convicção e serenidade, após experiências profundas de contato com algo verdadeiramente interno mas que se conecta com um algo maior, um sentido de Todo, de Inteireza, de Universo. Esse sentimento profundo (que nos preenche o ser) leva a que não precisemos comprar, comprar e comprar, ter, ter e ter, para nos sentirmos mais felizes e mais admirados. Nos faz dispensar o “tal” sucesso em nome de uma satisfação, um contentamento sereno com a vida. O que, como resultado, nos leva a consumir só o que verdadeiramente precisamos. O essencial, o necessário, apenas! Importante registrar que o movimento do Minimalismo vem nos ajudando muito nessa compreensão e prática.  Essa (aparentemente simples) mudança de percepção quanto ao verdadeiro sentido da felicidade, desassociando-a do TER e do consumir, evita toda uma extração intensa de insumos da Natureza. Você já parou para pensar que TUDO, ABSOLUTAMENTE TUDO, que consumimos advém dos bens ambientais que estão dispostos na Natureza? E mais: que precisamos, cada vez mais, de mais espaços para colocarmos as coisas que compramos? E, depois, para descartá-las? As coisas passam a não nos servir mais depois de um tempo, lembra? Seja pelo seu desgaste natural, seja porque a mídia nos convence (graças a Deus, nem sempre!) de que o mais novo é sempre o melhor, fazendo (em nome de uma obsolescência programada) com que desejemos sempre estar comprando o mais novo e descartando o (dito) velho.  Apenas através desse primeiro exemplo já se vê o quanto o tema da felicidade se conecta com o do meio ambiente. Dessa compreensão, então, pode ser gerada uma preocupação e, consequente, uso/consumo consciente em nossa forma de viver. Ou não: permanecendo a invisibilidade e/ou o desprezo e, consequentemente, o uso irracional dos bens ambientais.  Mas vamos buscar outras conexões?!?!  Quando falamos de felicidade, sob a compreensão de que ela está DENTRO de nós, passamos a observar/prestar atenção - MESMO - em como nossa forma de viver pode interferir para criarmos uma sociedade mais solidária com tudo o que há a nossa volta. E daí saímos de uma visão de que estamos no centro do Universo (aquele antropocentrismo arraigado que muito conhecemos) para nos percebermos conectados com tudo o que há no mundo (nos percebendo PARTE dele). Isso faz com que não queiramos que os animais, as plantas, a água, a terra e o ar estejam sempre ao nosso dispor, para satisfazer as nossas vontades de forma egoística. Mas, ao contrário, nos leva a respeitarmos esses bens naturais, nos relacionando com eles de modo a considerar seus ciclos e fragilidades. Ou seja, sua essencialidade para o equilíbrio do meio em que vivemos.  Assim, fica bem fácil entender a atitude daqueles que decidem não se alimentar mais de animais, não usar produtos químicos nas plantações (evitando danos irreparáveis aos ecossistemas) ou consumir produtos e alimentos produzidos de modo natural e orgânico. Fica também claramente compreensível a atitude daqueles que se preocupam com o consumo abusivo da água, com o destino dessa mesma água depois que a usamos ou das coisas que não nos servem mais. Ao contrário das pessoas que não se importam de onde vem a água que sai da torneira (não sabendo ou não querendo saber como está o rio ou manancial subterrâneo de onde ela provém), para onde vão os esgotos ou o lixo que produzimos. Não percebendo que NO PLANETA NÃO EXISTE FORA.  Nesse mesmo contexto, se coloca a percepção de que não existe independência entre os seres humanos com relação às consequências de suas escolhas, mas que SOMOS INTERDEPENDENTES! E que nossa forma de viver afeta o mundo todo, literalmente como a pandemia veio escancarar aos nossos olhos!!  Dessas rápidas percepções é possível encontrar uma relação visível entre a proteção de todos os bens existentes na Natureza e a forma como nos portamos no mundo (seja de forma egocêntrica ou compreendendo que somos partes de tudo o que existe).  Ainda com relação à intrínseca conexão entre as duas temáticas, se registra a partir dos anos 70 do século XX (mesma época do início da preocupação mundial com os limites dos recursos naturais diante de um desejo de crescimento infinito), um movimento mundial (conhecido por Nova Era) que tem como essência a transformação da nossa forma de ver, pensar e atuar no mundo, trazendo a preocupação ambiental como um de seus elementos essenciais.  Esse movimento de repensar a nós mesmos, a sociedade e a forma como usamos os recursos do Planeta, traz um desejo de evolução pessoal, social e universal guiada pela cooperação (e não, competição), pelo compartilhamento (e não, divisão), pela inclusão (e não, discriminação). E isso não pode ocorrer sem uma intensa e profunda relação com a proteção do meio ambiente, dos bens naturais; originariamente tão abundantes na Natureza, mas tão escassos e contaminados nos nossos ambientes (especialmente os urbanos) e na nossa vida!!  Por isso, nesse especial momento planetário, é TÃO importante e necessário PENSAR e FALAR das duas temáticas de forma integrada; o que, hoje, me parece ser mais do que uma opção, mas uma obrigação de todos nós! Marise Costa de Souza Duarte é Professora da UFRN, associada da APRODAB e do IBAP.

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