A constitucionalização das emoções, parte 4, o direito a ter vergonha


O direito a ter vergonha

constitucionalização das emoções, parte IV

A penitente, Juan García Martinez, Museu do Prado

Por
Fabiano Mendonça
Professor Titular de Direito Constitucional da UFRN
Procurador Federal

"Shyness is nice, and
Shyness can stop you
From doing all the things in life
You'd like to"
(Johnny Marr, Morrissey, Ask.
Interpretação: The Smiths)

Nem só de medo vive o Direito. Uma outra perspectiva teórica que domina a ordem jurídica é a da compaixão. Iniciaremos pela sua perspectiva oposta, de “fechamento” em si: a vergonha.

“Diluir-se” no outro como critério para justificar o estar no mundo é uma forma que muitas pessoas encontram para conduzir suas vontades. Dessa forma de ver o mundo comungam vários teóricos da hermenêutica constitucional.

Mas aqui, não é um aniquilar-se, antes, refere-se à valorização exacerbada da oposição, do outro. E aqui pode-se chamar de “direito à vergonha”.

É onde se encontra o “MMA jurídico”. Tudo apenas pode ser resolvido no conflito. E, eis aqui sua grande contradição: seu maior desejo é não haver conflito. Como o medo da dúvida tenta criar o direito da não-dúvida (como explicado no "direito a ter medo").

A vergonha é a dificuldade em lidar com o outro por faltar segurança em si. Ainda que venha a destruir o outro, faz isso destruindo a si. É a figura do “homem bomba”; a elevação do conflito ao seu potencial existencial máximo do ponto de vista de um indivíduo. Contudo, usualmente, é a valorização e o cuidado com o outro que se sobressaem.

A violência tende a ser mais uma característica das ações irrefletidas próprias do direito à raiva; o qual será tratado em outra oportunidade. A vergonha valoriza os sentimentos, os valores e, assim, os princípios.

Enquanto que o medo tenta ignorar a dissonância, a vergonha existe no diálogo, no contato com o outro.

Daí floresce a perspectiva hermenêutica de conflitos de regras e colisão de princípios. Em vez de se entender, como é claro - e é a tradição -, que cada direito tem características e faculdades próprias, há a busca por seus “pais”.

A Teoria dos Princípios é assim. Faz-se uma teoria “genealógica” do direito. É como buscar culpar os pais do criminoso pelo ato que este praticou.

Por exemplo, tentar tratar de uma hipotética contradição entre direito à tranquilidade e liberdade de manifestação religiosa é tentar silenciar uma dissonância em detrimento de aprofundar e criar regras claras para o direito à cultura religiosa. Falam-se de outros direitos, abrem-se debates políticos (a pretexto de judicialização), e é esquecido o direito obstaculizado em si. A cada decisão, uma nova regra se torna possível.

É uma perspectiva do “abraço”, do acolhimento do ponto de vista alheio.

Mas há o direito à vergonha. Ela é quando se estabelece o confronto com uma realidade diferente do que se esperava. E seu lado positivo, é o que se denomina aqui de direito à compaixão.

Institucionalmente, é a mea culpa que o Estado faz ao reconhecer como inconstitucional (pela devida instância judicial) uma norma que editara.

Socialmente, é quando um apenado tem sua pena cumprida com dignidade e, ao seu término, recobra inteiramente seus direitos de liberdade.

Na relação com o outro, é quando se restabelece um equilíbrio contratual.

Há aqui uma justa, merecida e forte preocupação com a Justiça. Mas, novamente, o problema está no excesso.

Certamente, há muitas situações nas quais será preciso examinar o caso concreto para que se verifique que conduta é a melhor solução. Mas não se pode viver no império da incerteza.

O fato de haver pensadores que vêem o mundo por essa perspectiva em sua vida pessoal faz-nos pensar que não são apenas as teorias que elaboraram que são as "acertadas". Novamente, esse é um reducionismo.

A sociedade é um conjunto. Tem seus problemas, mas nem por isso é uma ficção. Ubis societas, ibi Jus. O Direito é uma linguagem e um reflexo da sociedade. Ao se optar moralmente por uma de suas perspectivas como única para o Direito, um pedaço da sociedade é excluído.

É preciso haver coragem para agir quando necessário. E compaixão para abraçar quando se cai. Contudo, não são as únicas emoções que dão base ao universo constitucional.

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