EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE: a impossibilidade de eleição indireta para Presidente na Constituição de 1988

 

EU QUERO VOTAR PARA PRESIDENTE:

a impossibilidade de eleição indireta para Presidente na Constituição de 1988



(http://memorialdademocracia.com.br/)


Por
Fabiano Mendonça
Professor Titular de Direito Constitucional
da UFRN
Procurador Federal


"O bom senso é a coisa mais bem distribuída do mundo. [...]
A diversidade de nossas opiniões não decorre de uns serem mais razoáveis do que os outros, 
mas somente de que conduzimos nossos pensamentos por diversas vias,
e não consideramos as mesmas coisas."

(René DESCARTES, Discurso sobre o método)


Em abril de 1984, há quase quatro décadas, em uma Brasília sitiada pelas tropas federais, sob estado de emergência, censura e sem direito de reunião, ocorria a votação da PEC 05/83 (Emenda Dante de Olivera), que propugnava por eleições diretas para Presidente da República. Na antevéspera, em uma suposta comemoração militar, o general Newton Cruz ocupara a capital com milhares de soldados e mais de cem tanques de guerra. A proposta foi derrotada mas, em contrapartida, selou o isolamento político do General Presidente João Baptista Figueiredo e o fim da ditadura militar.

A imagem, ao menos esteticamente, politicamente e em manifestações verbais, tem semelhança com o desfile de tropas ocorrido hoje horas antes da votação de proposta presidencial de alteração na sistemática de voto para utilizar métodos semelhantes ao que existia naquela época. Porém, não se dava a mesma configuração jurídica e de ausência de liberdades; mas a ameaça pode produzir nas mentes o mesmo efeito da realidade. E essa forma de demonstração de poder diante de atuações do Parlamento sobre temas democráticos exige que se trace uma reflexão sobre a dinâmica do exercício do poder no regime constitucional brasileiro.

O modelo de separação das funções estatais ("Poderes") opera muito mais como uma repartição de feudos do que como uma arquitetura cooperativa própria à manifestação da pluralidade em toda a sua extensão. Essa interpretação confere uma dimensão arriscada para a democracia quando se refere a designar o que é próprio de um poder e, assim, imune à interferência alheia. (mais sobre o tema pode ser visto aqui)

Na classificação de W. N. Hohfeld, essa seria uma imunidade, com a qual se correlaciona a impotência (disability) dos outros poderes em eventual relação de controle. No plano legislativo, essa discricionariedade permitida é traduzida pela expressão atos interna corporis. Isso já foi chancelado pelo Judiciário, como adiante se mostra, e mescla-se com os movimentos centralizadores do exercício do poder público cujo germén remonta ao desmonte desordenado do modelo monárquico. Paulo Bonavides asseverou em 1980 que “Essa República não existe; é uma ilusão semântica. O que existe é o Estado unitário, de 90 anos, nascido a 15 de novembro de 1889 sobre as ruínas da monarquia.” (O caminho para um federalismo das regiões).

Essa é uma tendência centralizadora ao mesmo tempo no plano da separação das funções (hipertrofia do Poder Executivo) e no da organização política regional (prevalência da União). A sobressalência da União, inclusive, chegou a ser exaltada no regime anterior como conseqüência natural e adequada de sua importância, volume de atribuições e complexidade do mundo; a despeito disso representar desprestígio da representação parlamentar e menosprezo da democracia.

O modo como essa separação de poderes calcada no temor se cruza com a centralização pode ser vista nos poderes do - não por acaso - denominado cargo de "Presidente" das Casas Legislativas. O qual exerce a "competência exclusiva da casa legislativa para impulso e elaboração da pauta de suas atividades internas" (STF, AgR MS 25.144). Dessa maneira, sem que possa ser atacado, aceita-se que isoladamente e com apoio em permissões obtidas em acordos políticos, uma pessoa apenas determine o que o país vota, prioriza e posterga. Certamente isso não guarda correlação com as necessidades de uma sociedade plural e democrática.

Portanto, quando se trata do tema "entulho autoritário", é preciso ver que ele se estende para além de temas como a agonizante Lei de Segurança Nacional ou da Lei de Imprensa (já descartada pelo controle de constitucionalidade). Ele está presente no cruzamento de temas vivos, atuantes e presentes no cotidiano institucional. Essa é uma Constituição visível sob o ângulo sociológico e que diversamente da ideia de um "direito vivo" em meio ao povo, traduz-se em um complexo de normas sociais atuantes de modo hiperincluído. São formas de agir aceitas e imperantes pelo grupo social detentor do poder e por meio das quais ele se estrutura enquanto tal, adquire identidade e estabelece relações. Como decorrência, essas são as normas impostas "de cima para baixo", com força estatal, aos cidadãos.

Isso se manifesta não apenas na letra do texto constitucional, mas sobretudo na prática judicial, administrativa e legislativa. Não é algo que permaneça inerte e adormecido mas, na medida em que encontra correspondência nas normas interiorizadas nas formas de pensar dos agentes públicos, é uma fonte viva de interpretações. A hidráulica jurídica (Tassara) encontra um novo manancial de fontes para analisar.

Dessa estirpe são temas localizados nos mais diversos tópicos da Carta Magna e da experiência pública. Está na força das medidas provisórias (ao ponto de a Emenda Constitucional 32 ter perenizado atos normativos assinados apenas pelo chefe do executivo sem nunca terem sido submetidos ao debate parlamentar), na amplitude conferida à expressão "direção superior da administração federal", na diminuta estatura dos conselhos de políticas públicas ou na dissolução do poder parlamentar em prol de um presidencialismo de coalizão, dentre outras situações que revelam uma situação socialmente aceita de ausência de caráter democrático nos atos do Poder Público.

Do ponto de vista judicial, enquanto algumas normas escritas da Constituição são cobradas e aplicadas como se encontram do ponto de vista literal, outros trechos podem até mesmo conduzir a dezenas de páginas de voto para inviabilizar uma leitura aparentemente óbvia (p. ex., o artigo 57, § 4º, na ADI 6524). Enquanto isso, outros textos claros apenas são efetivados após longo debate judicial (como na jornada para o estabelecimento efetivo do Mandado de Injunção).

Mas o que se viu claramente no processo constituinte que gerou o documento constitucional atual foi uma progressiva democratização com ampliação da participação popular. Temos no texto uma democracia participativa, aquela na qual elementos de atuação direta do titular do poder (o povo) mesclam-se com elementos de atuação indireta (Parlamento), mas com preferência e incentivo ao constante aperfeiçoamento daquela. Isso pode ser notado sobretudo na comparação não apenas com a Constituição anterior, mas com a própria evolução constitucional brasileira.

Isso está presente no direito de petição, na ampliação dos legitimados ao controle concentrado de constitucionalidade, na gestão participativa, na abertura do exame de contas, na acessibilidade ao Poder Judiciário, dentre outros temas.

Mas um ponto merece atenção: como lemos a possibilidade de uma eleição indireta para Presidente da República. A doutrina constitucional atual é uníssona ao repetir a textualidade do artigo 81, § 1º, como uma hipótese de eleição indireta ("ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei"). Seria possível? Caberia uma eleição indireta no caso de ocorrer a dupla vacância dos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República nos dois últimos anos de Governo?

Os Estados Unidos da América, que nos inspirou o constitucionalismo republicano e presidencialista, adotam a eleição indireta. A escolha de chefes de governo no parlamentarismo é indireta. E nem por isso a escolha indireta descaracteriza a democracia, sejam modelos que mereçam serem seguidos ou não.

Contudo, o caminho brasileiro no sentido da eleição direta para presidente, como é tradicional no presidencialismo, é iniludível na evolução constitucional. O que poderia justificar uma opção pela eleição indireta? Salta aos olhos, de imediato, o fato de que, faltando dois anos, seria muito dispendioso e demorado um processo no qual se aguardasse campanha, votação e apuração.

Tenha-se em mente nessa leitura que estávamos em 1988, sem a comunicação da internet, sem voto eletrônico, dependendo de correspondências escritas e urnas em papel. Mais de três décadas separam a escrita dessa regra da contemporaneidade, a qual conta com vertiginoso avanço em meios eletrônicos de comunicação e transmissão de dados. E uma norma não pode ser aplicada descompassada com a realidade sob o risco de perder sentido jurídico (possibilidade normativa).

Ainda, poder-se-ia aventar que a Constituição fala em eleição "pelo Congresso Nacional". E eis que entra em cena a pergunta por: será que verdadeiramente desejamos uma democracia? É a nossa cultura autoritária presente. Lemos tal qual pressupomos como as coisas devem ser; é nosso paradigma. E como pressupomos então que deve ser uma eleição? O que entendemos por seu valor? O que aceitamos que se diga acerca disso?

A interpretação do tema é a seguir analisada a partir de cinco aspectos.

Primeiro. Constatação de pressuposto não republicano.

Um fato é certo: aceitamos que se diga que uma eleição pode ser indireta! A se considerar a doutrina sobre o tema, isso aparentemente não nos causa ojeriza.

Quando uma Emenda Constitucional, a de número 45, deixou claro que competia à Justiça do Trabalho processar e julgar "as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público [...] da administração pública direta e indireta da União [...]", com um mês de vigência esse texto recebeu interpretação que o limitou. Quinze anos depois, consolidou-se o entendimento de que "o processo legislativo para edição da Emenda Constitucional [...] é, do ponto de vista formal, constitucionalmente hígido", mas "A interpretação adequadamente constitucional da expressão “relação do trabalho” deve excluir os vínculos de natureza jurídico-estatutária" (ADI 3395). Isso, a partir de uma interpretação do sistema infraconstitucional.

Não se está aqui a defender o acerto ou desacerto dessa decisão específica, mas ela serve à saciedade para demonstrar que quando uma decisão afronta o que se entende por adequado (proporcionalidade, razoabilidade e conceitos legais, segundo a liminar da época), ela não consegue vingar no imaginário jurídico. Então, porque esse bom senso não opera para impedir a eleição indireta?

Segundo. Ausência de previsão expressa não pode restringir direito fundamental.

Não está mencionada a expressão "eleição indireta". Precisa? Claro que sim! Numa Constituição que sai de um período de cerceamento de liberdades cívicas, a transparência e clareza são características que ela busca. Sobretudo em um tema tão relevante. "A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto" (artigo 14, caput) e não será sequer objeto de deliberação a proposta de emenda que ao menos seja tendente a abolir "o voto direto, secreto, universal e periódico" (artigo 60, § 4º, II). Inclusive, o sistema representativo e o regime democrático são princípios constitucionais sensíveis (Pontes de Miranda), que autorizam até mesmo o exercício da intervenção (artigo 34, VII, "a"). Não precisa desenhar para se fazer entender.

O parágrafo único do artigo primeiro deixou claro que "Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição". A atuação dos representantes está prevista nas atribuições do Poder Legislativo, do Executivo e do Judiciário. No caso do Legislativo, que é mencionado no acima citado artigo 81, elas estão mencionadas nos artigos 48, 49, 51 e 52. Afora isso, é direta, mediante eleições (com prévio alistamento), plebiscito, referendo, iniciativa popular (artigo 14) e todas as demais formas de participação do cidadão nas decisões do Poder Público que dispensem a intermediação de representantes.

Não há que se criar outras situações de atuação indireta diversas das previstas no texto constitucional. Apenas a Constituição pode pôr exceções a tal direito fundamental, que devem ser interpretadas restritivamente.


Terceiro. Critério teleológico e lógico-sistemático.

A Constituição menciona eleição pelo Congresso Nacional. Mas, quando a Constituição de 1934, trouxe para o elevado patamar a Justiça Eleitoral disse que ela tinha "competência privativa para o processo das eleições" (artigo 83). Essa é a norma que permanece a presidir o sistema.

A faculdade de interpretar envolve a de verificar a conformação do sentido com a vontade constituinte. E nossa Constituição, herdeira da tradição norte-americana, foi redigida com esse espírito (cf. Rui Barbosa, obras completas, v. 20, t. 5, p. 71). A maior limitação do legislador e do administrador é não poder tocar na Constituição (ibidem, p. 54), pois a vontade do povo é maior do que a de seus representantes (ibidem, p. 77).

Se a Constituição cria uma exceção e retira da Justiça Eleitoral a "eleição", tão-somente a entrega ao Parlamento, mas nos mesmos termos. Não há outra conclusão lógica. Pois a Justiça Eleitoral escrutina a vontade do titular do poder. Não há sentido em se entender que o Parlamento poderia substitui-la. Mas, apenas que cabe a ele exercer o controle do processo eleitoral.

Isso não causa espécie a nosso sistema, tanto que a presidência do processo de julgamento – algo tão caro ao sistema judicial – é entregue ao Legislativo excepcionalmente. A condução processual e o julgamento dos crimes de responsabilidade do Presidente e do Vice-Presidente da República, bem como sua conexão com atos de responsabilidade dos Ministros de Estado e dos Comandantes militares, dos ministros do Supremo Tribunal Federal, dos membros do Conselho Nacional de Justiça e do Ministério Público, do Procurador-Geral da República e do Advogado-Geral da União é feita pelo Senado Federal, sob a presidência extraordinária do presidente do Supremo Tribunal Federal (artigo 52, parágrafo único). Portanto, é apenas uma situação análoga de transferência de função do Judiciário para o Legislativo, sem prejuízo a que se regulamente legalmente a situação para que haja o apoio do Judiciário Eleitoral; entretanto, sob a presidência do Legislativo.

O mesmo referido artigo 52 fala de modo a unir como sanção, no impeachment, as penas de "perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais". Todavia, por meio de decisão em destaque parlamentar ao roteiro de julgamento da então presidente Dilma Roussef, o Presidente da sessão optou por interpretar tais sanções como condenações independentes entre si (sessão de 31 de agosto de 2016). Como se pode ver, há a prática institucional da fluidez do texto para diversos fins. Portanto, havendo razões de bom senso e democracia a conduzir o tema, não haveria motivos republicanos a opor-lhe obstáculo já que, em verdade, é possível e é feita; o que não significa que possa ser em qualquer ocasião ou com qualquer sentido.

Outro caso de interpretação a ser observado diz respeito nesse tema à conhecida acumulação de cargos entre a magistratura estadual e a eleitoral, quando os integrantes daquela são os responsáveis por desempenhar remuneradamente estes cargos. Contudo, isso não está expressamente previsto no sistema; e não erro em que se entenda assim pela própria sistemática que a Constitução adota na composição dos tribunais eleitorais. Pois, em rigor, o artigo 95, parágrafo único, I, diz ser vedado aos juízes "exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério". E, certamente, um magistrado ingressa por concurso (artigo 93, I) e não está por isso autorizado a exercer qualquer carreira judicial, mas apenas aquela para a qual foi nomeado. Isso na verdade está no artigo 32 do Código Eleitoral ("cabe a jurisdição de cada uma das zonas eleitorais a um juiz de direito em efetivo exercício") e se a interpretação devesse ser literal, seria em tese inconstitucional.

Então, a partir de exemplos eleitorais, vê-se que não há obstáculos hermenêuticos a se entender adequadamente o dispositivo constitucional em comento acerca das eleições presidenciais diante do direito fundamental ao voto.


Quarto. História Constitucional Brasileira.

A evolução constitucional brasileira registraria uma situação curiosa. A se entender pela eleição indireta para Presidente da República na segunda metade do mandato, estaríamos diante do retorno do Colégio Eleitoral, expressamente defenestrado pela Constituição de 1988. Sobretudo, diante de um legítimo direito achado na rua que foi a campanha pelas Diretas Já!

Ou seja, a Constituinte sedimentou-se a partir de um processo popular que lançou âncoras na eleição direta para Presidente da República com o slogan "quero votar para presidente". Tanto assim foi que, realizada em 1985 a eleição (indireta) um de seus líderes, Tancredo Neves, veio a ser eleito, consolidando todo o movimento.

A partir dessa constatação, encontra-se na expressão do artigo 81, § 1º, segundo a qual "a eleição [...] será feita [...] pelo Congresso Nacional, na forma da lei" um encaminhamento a um legítimo entulho autoritário: a Lei Complementar nº 15, de 13 de agosto de 1973, sancionada pelo General Presidente Emílio Médici. Ali, está previsto o Colégio Eleitoral com participação dos deputados, senadores e delegados das Assembleias Legislativas (o que, inclusive, reduzia o impacto votante dos estados mais populosos). O retorno do Colégio Eleitoral, contra o qual tanto se lutou, sob o seio da Constituição de 1988; nada poderia ser mais pérfido ao Poder Constituinte.

A hipótese de Colégio Eleitoral apenas existiu no regime de 67/69 e na Carta de 37, sob a ditadura de Getúlio Vargas. Este, inclusive, poderia, excepcionalmente, indicar candidato ao pleito. Interessante, contudo, era a previsão de um presidente temporário, enquanto não se organizavam as eleições. Nesse sistema de Colégio Eleitoral, não havia previsão dessa situação excepcional de final de mandato pela própria natureza do sistema.

Nas regras gerais, a redação que há hoje é diretamente derivada da que constou em 1891, na primeira Constituição republicana. Ela, contudo, não tratou da eleição em final de mandato. Todavia, previa a substituição pelos cargos da presidência da Câmara, do Senado e do Judiciário (43, § 3º). O mesmo foi adotado em 1934, desde que ocorresse no último semestre do mandato, caso contrário, haveria nova eleição direta (52, § 8º). A Constituição de 1946 previu eleição direta (79, § 2º).

Portanto, entre as Constituições democráticas, a tendência era restringir a seis meses uma solução extraordinária (que não passava pela eleição indireta) e depois passou-se a tratar apenas da direta. Nos documentos outorgados, a solução era, por regra, indireta. Por isso esse critério é marcante em nosso regime constitucional.

A Constituição de 1988 realizou uma junção dos mecanismos anteriores. Previu para o caso de impedimento ou vacância do cargo de Presidente e também do Vice que o sucederia, a ocupação da função pelos presidentes da Câmara, do Senado e do Supremo Tribunal Federal, nessa ordem. Contudo, apenas em caráter provisório, até a realização de novas eleições. Tem-se aí a ordem de sucessão, o presidente provisório e a eleição para o mandato "tampão", destinado a completar o mandato iniciado (pois pertence ao povo, não ao representante) e manter a regularidade dos períodos eleitorais (81, § 2º). E, nos dois últimos anos, a eleição a cargo do Congresso.

Como se sabe, em período bem menor o sistema eleitoral logra organizar e realizar eleições em todo o país nos mais diversos âmbitos: federal, estadual, distrital e municipal. Portanto, o único obstáculo que se levanta é o prazo de trinta dias fixado para a mesma em tais circunstâncias. Se o mandato tem início em primeiro de janeiro (artigo 82) e a última vaga ocorreu em 1º de dezembro imediatamente anterior, não existe mais espaço para o exercício do mandato e deve prosseguir na função o presidente provisório.

O mesmo raciocínio deve ser aplicado para a movimentação da máquina eleitoral da qual resulte, após a apuração, divulgação dos resultados e diplomação do vencedor, um prazo de mandato que seria inferior ao que seria resultante de um período eleitoral regular. Pois, se realizado o segundo turno no último domingo do mês de outubro (artigo 77), ainda haveria, em tese, os meses de novembro e dezembro sem exercício do cargo. Esse é um período de planejamento e organização de governo.

Donde ser razoável compreender que realizar uma eleição nacional para conceder um mandato de dois meses seria acintoso com o contribuinte e com o sistema constitucional. Como se pode ver, nem mesmo na eleição para o período regular haveria possibilidade de posse. Por esse motivo, deve continuar no cargo o presidente provisório.

Quinto. Participação.

Em atenção ao caráter democrático até aqui tratado, é coerente concluir que são elegíveis todos os brasileiros que preencham os requisitos para o cargo. Caberá aos partidos políticos indicarem os seus respectivos candidatos ao pleito. Não haveria motivos, pelas razões já apontadas, para se reduzir o ambiente dos possíveis candidatos a pessoas já detentoras de mandato e muito menos indicadas fora das estruturas democráticas partidárias. As circunstâncias sempre serão as definidoras da menor ou maior complexidade na indicação, não esse fator. Todavia, convém a edição de regras próprias pelo Congresso Nacional que simplifiquem o processo de convenções partidárias.

O Supremo Tribunal Federal já atuou na temática conforme se pode ver:

No julgamento liminar da ADI 1.057 (em 20/04/1994, acerca da dupla vacância no Estado da Bahia), o STF entendeu pela aplicabilidade das regras de elegibilidade constitucionalmente prevista, ressalvando que o voto do parlamentar não se circunscreve por natureza ao caráter secreto. E em 16/08/2021 a Corte finalizou o julgamento, no qual o debate foi limitado ao caráter sigiloso ou não do voto do colégio eleitoral (o STF entendeu possível ser público por não ser um processo eleitoral propriamente dito) e sobre a constitucionalidade formal (entendendo que o Estado poderia legislar sobre o tema).

Também é de relevante observação que em todo o debate da decisão na ADI 4298 (em 07/10/2009, acerca da eleição na segunda parte do mandato de governador do Tocantins) não se põe em causa, em nenhum momento, a legitimidade da eleição indireta, ainda que diversos aspectos práticos de sua realização sejam analisados. 


Dessa maneira, observados esses parâmetros, pode ser dado mais um importante passo na leitura da semântica democrática plantada pela Assembleia Nacional Constituinte, com a eliminação dos espaços de autoritarismo e construção de uma sociedade comprometida com a República e com o Estado de Direito. A leitura em prol da eleição indireta é muito reveladora da cultura que permeia tanto os dispositivos constitucionais como a aplicação que deles se faz. Mais importante do que o texto, é o modo e a intenção com a qual ele é lido.

"A estrela de 15 de novembro, a estrela da República, aquela que já atravessou batalhas mais difíceis do que as que se escrevem com sangue, está bem alta para que possa tocá-la a poeira da ignorância, da vulgaridade e do nada."

(Discurso de Rui Barbosa na Imprensa Nacional, em 13 de novembro de 1890)



Atualizado em 02/09/21


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