“O presidencialismo americano sem
a responsabilidade presidencial, porém, é a ditadura canonizada com a sagração
constitucional. Basta a eliminação dêste corretivo, para que todo êsse
mecanismo aparente de freios e garantias se converta em mentira. Todos os
poderes do Estado então vão sucessivamente desaparecendo no executivo, como nas
espirais revoluteantes de um sorvedoiro.”
(BARBOSA, Ruy, Ainda a denúncia,
26 maio, 1893; obras completas, 1893, t. 2, p. 47)
O impedimento, ou impeachment,
é construção do Parlamentarismo Inglês que migrou para a Constituição
norte-americana e daí foi trasladada para a brasileira. É importante notar que seu início no Brasil foi no texto de 1891 - nossa primeira Constituição Republicana e Presidencialista -, cujo artigo 54 trouxe as hipóteses de crime de responsabilidade reproduzidas sem grandes alterações pelo artigo
85 da Carta Magna atual. Portanto, não apenas o instituto, mas sua doutrina e
jurisprudência foram transplantadas para o constitucionalismo brasileiro e utilizadas ao longo do tempo para diversas hipóteses. No caso de Presidente da República, independentemente de diversos pedidos ao longo do tempo, temos seu uso apenas em duas hipóteses da Nova República.
No processo político do impeachment, diferentemente do juízo
condenatório comum, a condenação em "crime de responsabilidade" – expressão
utilizada para realçar a sua gravidade constitucional – não tem em si como
precípua a finalidade punitiva (civil, penal ou administrativa), ainda que seja uma sanção negativa. Mas apresenta, sobretudo, a intenção
de privar do poder o ocupante do cargo. Daí o requisito de só ser aplicável a quem ainda exerce o
poder.
Tocqueville (A democracia na
América, c. 7) anota que essa característica americana faz do impeachment
muito mais um ato administrativo de destituição do que um ato judicial, do qual
herda apenas a forma, a solenidade e os usos processuais. Porteriormente, a
partir da Constituição de 1934, o regime brasileiro incorpora parcialmente a característica europeia com a condenação adicional à inabilitação para ocupar cargos públicos (artigo 58, §
7º), que deixa de ser um efeito de sentença por uma condenação comum. Dessa
maneira, constrói-se não como um mecanismo de crise, de legalidade
extraordinária, mas como um mecanismo de governo e de inter-relacionamento
entre os poderes da República. Seu equivalente parlamentar de lado a lado é a
destituição do Gabinete pelo Parlamento, bem como a convocação de novas eleições parlamentares
pelo Presidente.
Esse “ato administrativo a que se
deu a solenidade de uma sentença” (Tocqueville) é portanto mais do que um
simples ato discricionário, mas menos que um julgamento judicial. Isso pode ser
bem entendido ao se ver que o instituto constitucional que mais se lhe
assemelha é a soberania do veredicto no Tribunal do Júri (Constituição Federal
de 1988, artigo 5º, XXXVIII, “c”), a qual apenas excepcionalmente pode ser
objeto de debate judicial (cf. Código de Processo Penal, artigo 593). Por isso
a largueza das hipóteses. Elas são inaptas a intervir na vida do cidadão comum, já que se dirigem apenas àqueles que optam por se submeter às elevadas funções públicas e seu regime jurídico. E também são limitadas de modo a não provocar maior prejuízo jurídico na liberdade ou patrimônio do sujeito passivo.
Assim, é um mecanismo próprio
para o Tribunal político ao qual cuja aplicação se destina, e ao mesmo tempo uma
garantia democrática e um incentivo à observância daqueles verdadeiros princípios
políticos sensíveis a serem observados pelo governante (não atentar contra
a Constituição, contra a existência da União, o livre exercício do Poder
Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes
constitucionais das unidades da Federação, o exercício dos direitos políticos,
individuais e sociais, a segurança interna do País, a probidade na
administração, a lei orçamentária e o cumprimento das leis e das decisões
judiciais). Esses princípios são traduzidos nas hipóteses dos assim denominados
“crimes de responsabilidade”. Expressão por si sem significado jurídico
terminológico, à semelhança da designação já utilizada na constituição para
“mandado de injunção”. O que não quer dizer que seja reveladora de conceito ou
destituída de significado jurídico.
Hoje, sua disciplina tem por
norte o que foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal no Mandado de Segurança
nº 21.564-0/DF (Rel. para acórdão Min. Carlos Velloso) e na sessão
administrativa que lhe sucedeu (DOU 08.10.92), na Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental nº 378 (Rel. Min. Luís Roberto Barroso) e na Lei nº 1.079,
de 10 de abril de 1950.
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