Tive a oportunidade de afirmar, por esses dias, que a música transforma qualquer local, pois transforma as pessoas que estão ali. Assim, interessam as pessoas, mais do que onde elas estão.
E, neste momento, ocorre em Natal o Festival da Glomus (www.glomus.net), dedicado à troca de conhecimentos musicais em um ambiente multicultural.
A música funciona através de melodias que compassam o som e o silêncio, conferindo-lhes ritmo, movimento, numa linguagem métrica, matemática, física, biológica, que, de tão pura, comunica o indizível: sentimentos. Sua beleza está em imitar o ritmo do Criador. Notas, acordes, escalas unem-se em harmonias.
Mas, ao mesmo tempo, são registradas na Grande Natal dezenas de mortes na maior penitenciária do Estado, em um conflito entre os detentos. Não destacarei aqui a crise do sistema penitenciário, a obviedade do ridículo da apologia à violência, as causas do problema ou a conveniência política do problema, mas o paradoxo de uma cidade que festeja musicalmente a vida ao mesmo tempo em que experimenta a morte em massa.
Ali, no ambiente penitenciário, não há transformação de pessoas. Ali, não interessam as pessoas e suas histórias, mas o local onde estão. A vida reduzida a uma indicação geográfica. Deixamos de ser pessoas e viramos pontos de GPS, tags de localização.
E, se eu não mudo as pessoas, ampliando sua humanidade, eu não mudo o local; ao menos, não para melhor.
Ali, eu não articulo mais o som e o silêncio em harmonias, mas os gritos e o pavor em ruído, em desarmonia. E a comparação com a música evidencia que estamos na desarmonia social máxima.
A Glomus mostrou - e cabe um grande agradecimento da cidade a Fábio Presgrave e todos os envolvidos na organização - que Natal tem sede, tem fome de cultura. Não tem uma boa quantidade de espaços adequados, mas tem demanda. A música educa, ensina, transforma.
Urge que iniciativas como essa sejam repetidas e continuadas. A UFRN tem feito seu papel. Até a fila do pipoqueiro ficou interminável, a fila da entrada idem.
Oferta e procura.
A grande procura valoriza a oferta. E aqui, tivemos uma grande oferta de qualidade e gratuita. E como não se trata de soma zero, todos ganharam.
E na penitenciária? Há fome de que? Sede de que?
Qual a oferta? Qual a demanda?
Precisamos de “pessoas” nas penitenciárias, dentro e fora, não indicações geográficas. Temos que “gastar” a vida com ressocialização e não com o “consumo” de decisões de encarceramento. Essa demanda consumista de vidas está atendida. E há um preço. Mas também há uma demanda não atendida dos que estão lá dentro, sem sentido na vida.
Nós precisamos de que?
Urge ressocializarmos a sociedade.
Natal tem sede de Paz, tem fome de harmonia, de comunicar o indizível, de sentimentos.
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