O PRINCÍPIO DA NEGAÇÃO JOANINA E A SAÚDE PÚBLICA
análises dos limites do Poder Executivo na Constituição de 1988
Por
Fabiano Mendonça
Professor Titular de Direito Constitucional da UFRN
Procurador Federal
O destino das palavras é semear atos. É por isso que são poderosas: porque estes terão a força em movimento do que antes era potência.
Atos convencem, movimentam e educam. E, com razão devemos nos importar com eles. Eles devem seguir princípios. Por essa razão, mencionei alhures o "princípio da negação joanina", ou, em sua versão mais popular a Administração Pública não é a Casa da Mãe Joana! Experimente repetir mentalmente isso também para o Judiciário e o Legislativo enquanto rememora como se comportam os membros desses poderes.
É um princípio que convida à reflexão e que é mais fácil sentir do que explicar. Ele se aplica à ética pública, à conduta do agente público. Ele abrange a eficiência, a proibição do arbítrio e da improbidade.
A negação joanina evoca, senão a própria ideia de Estado de Direito, os princípios gerais que governam a matéria; e neles encontra fundamento.
Será ledo o engano de deixar-se levar pelo aspecto popular de sua formulação. Mas, talvez seja daí que provém as bases mais sólidas, os princípios mais profundos a serem proveitosamente utilizados.
Tal norma propõe que há de imperar seriedade, previsibilidade, contrasteação da juridicidade, moralidade e ética pública na conduta do agente público enquanto no exercício de seu mister.
Ou seja, aplicando-o ao Poder Executivo, dá-se a máxima já dita: a Administração Pública não é a Casa da Mãe Joana! Tal expressão popular, por alusão a prostíbulos medievais, representa um local onde não há regras e onde a vontade do indivíduo impera. Nada mais antirepublicano.
E para evitar isso, o texto constitucional previu um mecanismo máximo de guarda da Constituição, ao unir a chefia de Estado e de Governo na Presidência da República. Cabe a esse cargo, nos termos do artigo 78 da Constituição Federal, "manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil." Cabe a essa função a defesa da Pátria, a garantia dos poderes constitucionais, da lei e da ordem com o uso das Forças Armadas (artigo 142). Por isso qualquer discurso ou proposta contrária a tais valores impossibilita mesmo o exercício do cargo por um cidadão, sob pena de crime de responsabilidade (artigo 85). Ainda, a Presidência pode decretar, observadas as regras, o estado de defesa, o estado de sítio e a intervenção Federal. Fica claro que tudo isso é regrado e não se submete de forma alguma às inclinações pessoais do ocupante temporário do cargo. Os únicos parâmetros válidos são aqueles que encontram espaço na Constituição.
Cabe a esse agente coibir atos contrários ao bem do povo e às instituições democráticas. Não poderá usar de suas atribuições para defender interesses pessoais, vieses ideológicos, prejudicar o governo civil ou qualquer outro preceito que caracterize a Constituição de 88. Ela define o Brasil e é a essa função de sua defesa que o Presidente da República se candidata. Não a monarca absoluto ou líder messiânico.
O Presidente não é sequer um Poder mas, administrativamente, um órgão do Executivo. Ele não é senhor, mas servo da Constituição. E sua principal limitação está em não ser mais do que o próprio Poder Constituído ao qual pertence Nem tampouco mais do que os outros Poderes.
Na democracia, cada um terá sua função. E na harmonia entre os poderes, terá que aceitar as influências das atribuições próprias do Legislativo e do Judiciário ao ditarem-lhe condutas; ainda que pessoalmente pudesse não querer.
A Presidência deve colocar as pessoas em primeiro plano. Modelos econômicos mudam, investimentos se adaptam. Isso pode trazer sofrimento. Mas as mortes não podem ser reparadas ou amenizadas: não há meia morte. As pessoas sobrevivem quando são colocadas em primeiro plano; quanto os interesses puramente econômicos estão nesse lugar, nada é garantido.
Atitudes que achincalham com a saúde pública, fazem-na motivo de pilhérias, geram insegurança nas orientações governamentais, ausentam-se do debate ou levam riscos à população devem ser rigorosamente afrontadas.
Não há espaço para a República e a democracia onde tais atos sejam tolerados.
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