Nós, os outros e uma economia


NÓS, OS OUTROS E UMA ECONOMIA




Por
Fabiano Mendonça
Professor Titular de Direito Constitucional da UFRN
Procurador Federal


O mundo muda antes que possamos mudá-lo. Sempre foi assim. Mas agora, ele precisa se transformar tanto que seremos forçados a seguir adiante sem postergação.

Como adepto e usuário dos meios virtuais de trabalho e comunicação, olho para trás e vejo as transformações que ocorreram em minha vida e imagino os impactos que causarão aos que ainda não iniciaram essa jornada. Desta vez, não será exagero dizer que as coisas não serão mais como antes.

Que invoquemos grandes diretores do cinema e mestres da literatura. A imaginação é nosso único amparo.

Foquemos a partir do mundo do trabalho.

A palavra do dia é inglesa: home office ou o trabalho em casa. Todos trabalhando pra fora e entregando virtualmente as coisas. Se os aplicativos de entrega de alimentos aposentaram muitos salões de restaurantes, agora os escritórios empresariais estão na lista de espécies em extinção. As empresas de tecnologia que comercializam os ambientes para essa atividade já se apressaram em oferecer os seus serviços.

Li que 65% das profissões que existirão daqui a duas décadas ainda não foram criadas. Isso significa que, provavelmente, só um terço do que há hoje estará presente no futuro.

Cada vez mais, apenas o que for caracteristicamente humano persistirá. Tudo aquilo que é irrepetível e que depende de uma pessoa para sentir, olhar e pensar permanecerá; em locais onde haja volume de pessoas e de demanda. E é para esses locais que a maioria se dirige. A forma de trabalho tradicional continuará a existir em determinados redutos menos atrativos.

O ser humano se adapta do deserto às geleiras. E a economia também, porque esta é a forma como os homens estabelecem entre si os mecanismos para trocar interesses e satisfazer suas necessidades. Mas mudam os interesses, as necessidades e as formas de negociar.

Há um período de transição não animador nas novidades. Pois, com tudo montado para atender um determinado modelo de mercado, as formas já organizadas de circular as riquezas, bens e serviços farão pressão para que as relações se transformem apenas na medida em que possam absorver e minimizar seus prejuízos. Mas, não serão as primeiras grandes empresas a falir na história. Não haverá como conter a força dos fatos cuja hora chegou. Mas o capital demorará para mudar de rumo. Um rio não muda de direção apenas com a força do pensamento. Talvez de um vírus…

A economia sente o impacto de um excesso de liberdade. E há o risco de haver propostas que joguem o barco para o extremo oposto. O emprego fragilizado deixa as pessoas vulneráveis neste momento. Mas a intervenção pode dificultar a reorganização da economia.

O importante é o compromisso com a vida em primeiro lugar. Isso é o que poderá estabilizar a economia. O desenvolvimento da solidariedade entre as pessoas é a única coisa que poderá atacar o que realmente matará e excluirá seres humanos em um cenário de recessão: a indiferença.

Há uma insistência em não se ver que a doença iguala ricos e pobres e que, de uma hora para a outra, nada mais importa no mundo. A quem adoece, só interessa o restabelecimento de sua saúde.

Abrindo os olhos, descobrimos que um PIB pequeno é apenas o reflexo de um mundo que se acaba quando só isso importa.

Mas, na verdade, é apenas uma desaceleração das pessoas. E se todas as pessoas no mundo resolvessem, repentinamente, dar-se um dia de folga? Que lei os obrigaria a trabalhar? E se fosse só um terço?

É como a visão de Malthus: ele não “combinou com o outro time” e imaginou o caos pelo crescimento populacional. Da mesma forma, o processo eletrônico ía deixar o trabalho de julgamento rápido e os processos céleres na Justiça; mas não lembraram do peticionamento e dos recursos de quem está fora dos Foruns. Fora do plano religioso, o fim do mundo é apenas a perspectiva de quem ainda não conseguiu encontrar o item de humanidade que será a saída do problema que enfrenta. E, se não vê, é porque está fora desse caminho.

Aprendamos a nos cuidar coletivamente, sem alvoroço. Descubramos a riqueza da partilha.
Isso certamente será muito ruim para todas as atividades lastreadas num modelo de “relações interpessoais de baixa humanidade” (aquelas que não levam em conta a individualidade daquele com quem se mantém contato): grupos impessoais, atividades de massa, aglomerações, contato pessoal sem objetivo de crescimento. Mas teremos a oportunidade de valorizar as pessoas. Porém, apenas se, e somente se, não nos deixarmos tomar pelas facilities da vida eletrônica e soubermos implantar um ritmo com espaço para nós mesmos no dia.

Vêem como a grande questão, num e noutro caso (estarmos a trabalhar avidamente ou estarmos desacelerados numa economia minimalista e personalizada), passa pela educação emocional das pessoas? Essa é a essência do que tem que ser colocado em primeiro plano. É isso que fará as pessoas e sua economia (sim, a economia como forma de organização de trocas dos que constituem a sociedade, não a que possa querer se impor) sobreviverem; não o modelo de relação com o capital.

Vamos ver quem somos.

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