POR QUE NOS MOVEMOS? Introdução aos riscos de uma sociedade entrincheirada

POR QUE NOS MOVEMOS?
Introdução aos riscos de uma sociedade entrincheirada





Por
Fabiano Mendonça
Professor Titular de Direito Constitucional da UFRN
Procurador Federal


Eppur si muove!


O corpo social é impulsionado pelas interações entre as pessoas. Interagimos de diversas formas diferentes como quando nos comunicamos amorosamente, ludicamente ou politicamente.

E, na busca da sobrevivência, retiramos elementos da natureza para nos alimentarmos, abrigarmo-nos e protegermo-nos. Podemos fazer isso diretamente ou com a ajuda dos outros. Essa interação transformadora ou de fruição do meio se dá através de bens comercializáveis, serviços e moeda e dizemos nessa hora que interagimos economicamente.

Havendo muitas pessoas e tendo cada uma muitos interesses, tudo funciona interligado; é a pluralidade. Por isso, a política afeta a economia, que afeta o Direito, que interfere nas relações familiares, que mexe na cultura e assim por diante e também ao revés.

Seria impossível agir se observássemos toda essa cadeia, como uma centopeia a examinar cada uma de suas patas para ver se machucou-as a cada passo: ficaríamos paralisados. Mas não é isso que acontece. Nunca. Sempre nos movemos. Mas como, diante de tantos dilemas?

Nós usamos um sistema de "preferências"; ou prioridades. Nós fazemos escolhas, optamos por esta ou aquela conduta. O Direito, por exemplo, é um sistema de opções precedentes para nortear a conduta individual, coletiva e pública.

Então, nós priorizamos este ou aquele aspecto. E, em razão disso, pode haver diferenças entre o que alguém julga importante em dado momento e o que realmente poderá ser importante para ele. É o que se chama de "opção errada". Mas, dentro do espectro da liberdade individual, não há como interferir nisso. Num plano subjetivo mais profundo, envolve debates sobre pertencimento cultural, consciência e inconsciente. A pessoa age motivada por obediência, por amor, por necessidade financeira ou outra razão, conforme o que considere prioritário.

Pode haver, por exemplo, divergências entre os conceitos do que se considera uma pessoa covarde. E eu e você podemos discordar nesse ponto e dizer que não somos covardes perante o outro. Porém, estou certo que, em algum momento da vida eu e você praticaremos atos que nós mesmos classificamos aí como covardia. Moral da história: sempre há uma ideia a mover nossas condutas, por mais que discordemos dela.

Aprofundando, vemos que, noutro patamar, pode haver divergência entre o que o indivíduo acha correto e o que será melhor para o grupo. O risco de erro aí pode ser exponencialmente elevado porque, se para a solução individual - na qual se deseja que a pessoa seja a melhor conhecedora de si - pode haver equívoco, o que se dirá numa decisão para todo o grupo social.

Nesse momento, surgem os indivíduos que se dedicam a pensar as questões de maneira abrangente: os especialistas. Eles não debatem para si, mas para consumo social: juristas, economistas, políticos, engenheiros, sociólogos, educadores, administradores, físicos e tantos outros quantas sejam as necessidades sociais mais prementes. Mas isso não evita o equívoco.

E o motivo maior é que há uma compreensível inclinação do especialista a apenas ver o mundo só com os seus olhos. E isso é desejável do ponto de vista profissional. Contudo, não pode chegar ao ponto de impedir de ver que a solução pode não ser pela sua prioridade.

É duro a um profissional descobrir que os mecanismos que tanto estudou não sejam aplicáveis a um determinado fenômeno. O mundo seria muito mais simplificado se uma só ciência respondesse tudo. Ou uma só pessoa tivesse todas as respostas. Ou se elas não fossem equivocadas. Claro que, para isso, seria necessário haver um sistema fechado de interações controladas e de ausência de humanidade.

No fundo, ironicamente, a busca científica é uma não aceitação da própria condição humana. E é essa busca que permite a vivência mais profunda da humanidade em si e em relação com o meio.

O mundo passa por uma crise. E pensá-la exige refletir sobre o papel de cada um nela. E, apesar de tudo, de todos os medos, movemo-nos em meio a ela.

(continua)

Comentários

  1. O senhor é maravilhoso, parabéns pelo texto, grande abraço para o senhor e para a professora Bianca.

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