Cada crise tem seu caminho de
superação.
O país passa por uma crise
econômica, uma crise política e uma crise ética. E essa confluência de fatores
faz com que também surjam confusões de soluções em busca de invocar Panacéia, a
divindade grega curativa de todos os males.
O fato de se poder pensar em
diferentes remédios não impede que se busque também um strike artístico e se derrubem todos os problemas de uma tacada só.
Mas eis que surge o problema. O Direito, buscado nos momentos de necessidade e
de bodega, passa a ser procurado – de modo legítimo, seja registrado – e, como
na fábula bíblica do espinheiro, nada tendo de definitivo a oferecer, aceita o
convite para fazer-se rei da situação (cf. Jz 9, 12-15).
É nesse momento que se instaura o
grande debate: o impeachment é
democrático só porque está na Constituição ou está na Constituição porque é
democrático? E, já que o termo é estrangeiro, de modo hamletiano, impeachment or
not impeachment?
Parece que retornamos a um
momento inicial de nominalismo onde nos apegamos a termos jurídicos como coisas
concretas e só conseguimos vê-los através da contraposição golpe/democracia.
Deixamos de lado nossa capacidade de entender o Direito em sua vinculação com a
Justiça e dissertamos sobre termos jurídicos como se falássemos de pessoas
dotadas de razão autônoma.
Como cidadão não só posso como
devo ter meu posicionamento ideológico e político sobre a situação. Mas não
posso confundi-lo com a Ciência Jurídica.
Essa tal “ciência jurídica” não é
neutra ou bem-aventurada. Mas tem conceitos e regras. Um dos quais entende que
há um espaço livre de conformação do agir coletivo ditado por regras de
convivência democraticamente postas de modo antecedente e superior. O
equivalente à noção teológica de que Deus quer que sigamos a razão.
E relações públicas de
convivência e desenvolvimento, como mostrou Savigny, não estão ao alcance da
plena normatividade pelo Direito. Ele se limita a traçar um espaço de
conformação, no interior do qual cede seu lugar para os elementos da política,
da economia, da saúde, dentre outros.
Então, em primeiro lugar, um
processo de impeachment cuja petição
tão-somente é recebida é um direito do ocupante do cargo de Presidente da
República. Em vez da punição de matiz kafkiana (que em termos sociológicos é o
quadro sombrio por que passa a Presidente Dilma Roussef), um processo com
direito ao contraditório. E o nascedouro das regras processuais e das garantias
do cidadão está na observância das regras de funcionamento do Parlamento.
Claro que os impactos negativos à
imagem hão de ser considerados, como quando alguém é chamado para prestar
depoimento em um Termo de Ocorrência em uma Delegacia. No caso, por se tratar
de uma dimensão abrangente de toda a sociedade, o cuidado tem de ser redobrado.
Mas menos não deve ser a cobrança, pelo mesmo motivo, do impulso oficial do
processo.
Como ensinou Ruy Barbosa, para questões jurídicas, tribunais
jurídicos, para questões políticas, tribunais políticos. A questão é que temos
um juiz natural para o tema, mas agora parece que a sociedade descobriu que não
confia no juiz que colocou lá… Então, pretender tomar as rédeas juridicamente
do pedido de impeachment, influenciando
o Parlamento para além da pressão democraticamente aceitável, é conspurcar o
regime de liberdades e do juiz natural. Colisão de direitos?
Ademais, a questão radicalizada
entre reeleição e fim de mandato, para se saber se há continuidade não pode ser
colocada de modo absoluto. Há questões que continuam e outras que não. A regra
para discernir é simples e qualquer cidadão menos instruído encontra: bom senso.
Sem exagero interpretativo que destaque o fato da realidade ou ofenda o bom
entendimento.
Enfim, o que temos é uma falta de
conteúdo de debate.
O que vivemos é fruto do modo ora
atabalhoado ora estratégico como terminou a Constituinte em 1988. O problema é
que sumiram os sujeitos da estratégia e os estadistas desde então; salvo se eu
incorrer numa leitura equivocada da nominata do Congresso Nacional. Não tenho
intenção de ser categórico nessa afirmação.
Quero me referir aqui a um ponto
em particular: a confusão normativa entre Parlamentarismo e Presidencialismo.
Hoje, de fato, nas negociações de cargos, barganhas partidárias e crises de
Governo o que temos é o pior de um unido ao pior do outro.
Uns defendem a manutenção da
Presidência num Presidencialismo quase monárquico, com uma irresponsabilidade
mal estudada e uma imunidade judicial; um dasein
acima da lei. Outros querem sua submissão irrestrita aos conchavos
parlamentares, uma existência democraticamente inútil.
O juízo de serenidade faltante
deveria ser exercido pelo Senado Federal. Na arquitetura institucional
brasileira, esse órgão está entre Legislativo e Executivo, num papel mediador.
Como paralelo, a Advocacia Pública está entre Executivo e Judiciário. Porém,
num desconstrutivismo institucional amador, ambos estão sucateados. O primeiro
em legitimidade e autoridade, o segundo em estrutura.
Isso não apenas dificulta a saída
da crise, mas pode muito bem ter gerado ou alimentado-a.
O que nos falta é debate. O que
nos falta é discutir os reais problemas nacionais. Já mostramos a força de
nossas instituições democráticas, já mostramos nossas opções partidárias,
nossas análises jurídicas, nossa capacidade de mobilização. Mas agora, deixando
a camisa da torcida de lado, vemos que toda Providência precisa de um elemento
material. Precisamos dar mais conteúdo ao debate.
Passou da hora de termos a
coragem de debater o papel do Parlamento e nosso sistema de governo. O resto, é
placebo.
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