A ECONOMIA DA IMPREVISÃO
Por
Fabiano Mendonça
Professor Titular de Direito Constitucional da UFRN
Procurador Federal
Enquanto sociedade, não sabemos o que procuramos; isso é certo. Tanto que há claras demonstrações governamentais e científicas que discordam sobre o que seria melhor para o país. Mas não saber o que se procura não quer dizer que não se sabe de nada ou que não haja respostas: as pessoas que manejam os dados é que não se entendem.
Hoje, vivencia-se um dilema (=dois "lemas") entre premissas difíceis: recolhimento social em virtude de pandemia com salvaguarda da saúde e prejuízos às relações econômicas ou flexibilização desse distanciamento social para permitir circulação econômica mesmo em detrimento da saúde de muitos.
A antropologia e a arqueologia confirmam que a humanidade caminhou por diversas vertentes e nem sempre foi a econômica. Muitas vezes, questões ideológicas e culturais determinaram as mudanças, não necessariamente para angariar riquezas ou ampliar perspectivas de lucro. Até mesmo talvez muitas transformações feitas com esse objetivo não tivessem ocorrido se fosse visto que o resultado não foi como o esperado.
Isso aconteceu em escolhas empresariais, guerras, ações humanitárias, construção de templos, sedentarismo social, dentre outros eventos importantes da história da humanidade. Nem sempre o aspecto de acumulação ou distribuição econômica foi o fator determinante. O que não impede que se possa fazer a análise sob esse prisma. Até porque há a "oportunidade": no conjunto de relações, alguém sempre poderá ver crescer sua capacidade financeira, por exemplo.
É natural que haja medo e insegurança. Por isso, a busca igualmente natural é a da previsibilidade. Há eras, os homens a procuram em aspectos naturais e sobrenaturais; com maior ou menor sucesso num e noutro caso.
O medo é o nome da reflexão humana ante o imprevisível. E, quando o objeto da atenção é previsível, sobre o que de imprevisível possa sobrevir.
Planejar e estocar são formas de agir para lidar com isso. Excedentes, estoques, oferta, demanda, planejamento, logística, gestão, títulos futuros, são apenas meios de lidar com isto: o imprevisível, o medo.
Quando a ameaça vem sob a forma e algo impactante e externo, e até esperada, é combatida pelos mecanismos apontados. Mas quando vem de maneira absolutamente imperceptível, microscópica e sem conferir tempo para que sejam preparados e manuseados os instrumentos conhecidos, gera caos, pânico e recusa em aceitar a realidade. É o caso de uma pandemia.
Planejamento e sua limitada previsibilidade não são as habilidades mais usuais nem respeitadas na ordem jurídica brasileira e, quiçá, mundial. Tudo dependerá da prioridade que se tinha em mente ao planejar. E aí está a limitação: planejamos para evitar aquilo de temos medo, ou seja, aquilo que esperamos. O medo é previsível. O imprevisível não tem nome, a não ser quando surge, como uma doença.
A primeira reação de quem não tem o controle será entender que o outro está errado. O outro é o pecador e eu o julgo. Contudo, esse afastamento amplia os riscos.
Quantas avaliações fizemos? Antes da pandemia, era a crise da previdência, antes desta, era a da Presidência. Quais eram os medos, quais as decisões tomadas e quais conseqüências não foram previstas?
Durante décadas, investimos em transferência de renda para idosos: os aposentados. Isso gerou algo esperado: qualidade de vida para uma parcela da população, impulso do pequeno comércio e circulação de renda em pequenos municípios com baixa empregabilidade. Também proporcionou alternativas a meios assistenciais de acesso a alimentação e educação para crianças dependentes deles. Porém, ao criar um sistema de gerenciamento público do investimento previdenciário, prejudicou a educação financeira do trabalhador. Não há como pretender que uma população já idosa, prestes a se aposentar tenha a posse de fundos para se manter ou replanejar a construção de reservas financeiras quando confiou no gerenciamento público por gerações; bastava o valor descontado mensalmente dos ganhos salariais. A qualidade de vida gerada aos poucos provocou o envelhecimento da população, que agora precisa trabalhar mais ou pagar mais para proporcionar uma qualidade menor que a anterior.
O auge da energia é ao nascer: um corpo inteiro a se construir nos mínimos detalhes. Daí em diante há uma diminuição até a morte. A idade de maior produtividade laboral é aquela na qual a maturidade emocional se encontra em um patamar mínimo e ainda há vigor físico. É muito menos que a existência toda, contudo, é como se justificasse tanto o que se fez antes, como o merecimento posterior. Para o crescimento biológico e psíquico é um reconhecimento e para a aposentadoria, uma conquista. É pouco e não se conecta com o que há de humano. A maioria será excluída no antes e no depois e os incluídos serão cada vez menos a gozar de abundância e segurança. Como se vê, faz parte de uma espiral de involução do desenvolvimento, entendido como busca de mais "humanidade".
Já que não se propõe aqui a achar uma forma de interromper esse mecanismo, adote-se por certo que deve haver uma salvaguarda da perspectiva econômica. Mas que, não pode mais seguir de forma alguma por um caminho que desconsidere a perspectiva do desenvolvimento humano.
A economia da imprevisão não pode ser dominada pelos mesmos preceitos que hoje sustentam grupos econômicos que tentam se reinventar para o consumidor do futuro. O distanciamento social e a drástica redução do volume de consumo, de renda e de produção significam uma necessária mudança de parâmetros. Ela já está a ocorrer e é guiada por fatores humanos; não matemáticos.
A pandemia demonstrou que 76% dos brasileiros decidem tendo a saúde como mais valiosa do que a economia. E é a partir desse fator que haverá a reestruturação.
As decisões de compra possuem etapas racionais (identificação de necessidade, análise de opções, escolha) mas sabemos que há arrependimentos e, muitas vezes, escolhas que foram impulsivas e, digamos, "irracionais" (no sentido de divergência com o que se pretendia inicialmente). Isso mostra que as decisões são tanto por elementos racionais quanto por falhas nesse processo de previsibilidade. As pesquisas demonstram que os jovens fazem mais compras por impulso (86%) e com perspectivas de desestabilização orçamentária. E, em sua maioria, com o uso de meios eletrônicos. Já os consumidores de maior idade tendem a agir de maneira mais refletida e de modo direcionado, com preferência pelos meios tradicionais de busca de bens e serviços, de modo pessoal.
Há uma economia que funciona sem shoppings. Os quais, mais a mais, tornam-se centros de lazer e alimentação e menos de consumo de bens duráveis.
Repentinamente, a transferência de renda aos aposentados dotados de racionalidade no gasto se torna um mecanismo de segurança nesse espaço. Mas, temperada pela capacidade emergente de utilizar os meios eletrônicos.
Mas será que o meio jurídico está realmente preparado para enfrentar essa economia do medo e da imprevisão?
(continua)
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